A discussão pós-queda da CPMF é tão pobre quanto foi a da pré-queda, predominando o sentido enganador, político partidário e apoucado. A verdade é que fomos todos enganados desde o início: somente pequena parte do imposto do cheque foi para a saúde e, assim mesmo, substituindo verbas que lhe foram retiradas. O dinheiro foi, em última análise, para pagar juros que engordam, há muito tempo, as burras dos rentistas e banqueiros que usam, deste pobre país, 44% de todos os recursos do governo (leia-se de todos os impostos que pagamos). Agora, após a queda da CPMF, setores do governo dizem que, sem ela, não há PAC da Saúde. Novamente, essa conversa apoucada reflete um dilema que é falso, pois a questão maior na saúde que ocupa o primeiro lugar na insatisfação dos brasileiros não é dinheiro, mas gestão, e um sistema público precário é a maior propaganda para os planos de saúde que fazem parte desse neocapitalismo globalizante, mal digerido e acrítico, mas dominante, que temos. Gastamos, no Brasil, cerca de US$ 260/hab./ano em saúde. Se alocássemos aí toda a CPMF recolhida (a promessa de última hora enviada ao Senado excluía boa parte dela), chegaríamos a US$ 380/hab./ano, próximos da Argentina, Chile, Uruguai, mas muito distante dos Estados Unidos, onde são gastos US$ 7 mil/hab./ano (20 vezes mais), ou da maioria dos países desenvolvidos, que gastam 10 vezes mais do que o Brasil. Isso significa que nunca teremos uma saúde adequada? A resposta é afirmativa só para os apoucados, neocolonialistas e copiadores, que não conhecem outra forma de desenvolvimento senão aquela simiesca de cópia. A conclusão inteligente é diferente: o modelo deles, de alta complexidade, médico e hospitalocêntrico, não serve para nós, não só pelos recursos, mas também pelas circunstâncias epidemiológicas, culturais e até pelos avanços das ciências da saúde, que apontam muito mais para uma volta à medicina hipocrática do que para um avanço nas complexas tecnologias. Cito um argumento científico e alguns exemplos concretos de como se pode reorganizar a nossa política de saúde, para obtermos bons resultados com menos recursos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, em 2006, uma pesquisa demonstrando que somente com mudanças de hábitos (educação para a saúde), pode-se evitar 40% das mortes por câncer e 80% daquelas por doenças cardiovasculares. Um amplo programa de educação para a saúde custaria pouco menos da metade do dinheiro gasto em publicidade pelos governos. Os exemplos apontam para a ênfase em um novo modelo de atenção primária integral que implantado na capital paulista sob orientação do Hospital Pérola Byington e em Campinas (SP) tendo como referência o Hospital da Mulher da Unicamp mostrou que se pôde colocar o índice de mortalidade por câncer ginecológico (para citar um índice entre vários) abaixo do dos Estados Unidos (dados da OMS do ano2000). Nesses dois locais foi desenvolvido um projeto inovador, com recursos públicos tão escassos quanto os de qualquer sistema ou hospital semelhante. Poderia citar vários outros exemplos, mas o espaço me ordena generalizar, evidenciando os princípios fundamentais dos exemplos bem-sucedidos. A solução para o sistema de saúde é ênfase em uma atenção primária moderna e eficiente, com bom acolhimento, fácil acesso, organizada em estruturas já existentes. Só na cidade de São Paulo temos mais de 400 centros de saúde. É só fazê-los funcionar nos modelos bem-sucedidos do Pérola ou da Unicamp, no conceito de atenção integral, trabalhando com a equipe de saúde e delegando funções de modo supervisionado. Torna-se também obviamente necessário um amplo programa de educação para a saúde que abranja as escolas, a mídia e o próprio sistema de saúde, além da reorganização dos hospitais especializados, que poderiam usar o modelo da Rede Sarah, afastando entropia, ociosidade e parasitismo do privado sobre o público que medra nos hospitais do país. Como prevenção primária e detectação precoce são de cinco a 10 vezes mais baratas do que tratamento de casos avançados, pode-se perceber quanta economia será feita ao longo dos anos, com um sistema voltado para essa forma moderna de atuar; além do objetivo principal, que é oferecer qualidade de vida à população. Com ou sem CPMF, o relevante é gestão. (José Aristodemo Pinotti – Correio Braziliense)