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Hospitais filantrópicos de SC sofrem com atraso de repasse de R$ 70 milhões do Estado

Os hospitais filantrópicos respondem por cerca de 70% dos atendimentos em Santa Catarina, mas enfrentam muitas dificuldades. Com tabela defasada de pagamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) e dívidas – só da Secretaria de Saúde são cerca de R$ 70 milhões a receber -, as unidades tentam contornar a crise com empréstimos bancários, apoio de empresários e outras fontes de recursos. São 182 unidades desse tipo no Estado, que representam um fôlego para os hospitais públicos e, em muitas cidades, são a única opção para tratamento.

O presidente da Federação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas de Santa Catarina, Hilário Dalmann, explica que atualmente a maior dificuldade do setor é o financiamento:

– O cenário é péssimo, a situação é caótica dos hospitais em Santa Catarina. Com uma tabela do SUS que não é atualizada há mais de 20 anos, onde você atende um paciente e gasta R$ 100 e eles cedem R$ 60, não há empresa que sobreviva. Se não fossem esses hospitais, o Estado não tinha como atender a população. No interior, na maioria das cidades, são os únicos hospitais.

Dalmann defende que para encontrar o equilíbrio das contas, as unidades – que são obrigadas a ter pelo menos 60% de atendimento pelo SUS – deveriam ter no máximo esse percentual e o restante de atendimentos particulares e por plano. Na prática, não é isso que ocorre. A maioria presta percentuais ainda maiores de atendimento público.

É o caso do Hospital São José, em Criciúma, que atende mais de 80% pelo SUS e enfrenta situação crítica. Somado o que tem para receber do governo estadual e do município, a unidade calcula R$ 30 milhões em dívidas.

– Somos uma referência para toda região Sul do Estado no tratamento oncológico. O hospital tem a maior importância para que a população não tenha mais necessidade de ambulancioterapia, que faz com que os pacientes saiam da região em busca de tratamento – afirma Raphael Elias Farias, diretor técnico da unidade, que também atende especialidades como cardiologia e neurologia.

A dona de casa Edna Rosi Réus Sant’Ana é uma das pacientes da unidade. Ela luta desde janeiro de 2017 contra um câncer de mama e teve atendimento no São José. Para ela, que mora em Araranguá, a proximidade foi fundamental:

– Todo o tratamento foi feito aqui, a partir do momento da biópsia me encaminharam para cá. Eu cheguei a pensar que se não tivesse a Unacon [Unidade de Alta Complexidade em Oncologia], em Criciúma, eu não estaria aqui, porque teria que fazer o tratamento em Florianópolis. E é muito difícil para a gente ir para lá.

União paga em dia, mas governo estadual atrasa

Em 2016, funcionários do hospital chegaram a entrar em greve por falta de pagamento, mas agora, segundo Farias, o atendimento está normalizado. Altamiro Bittencourt, relações institucionais do São José e presidente da Associação de Hospitais de Santa Catarina (Ahesc), reforça que o Ministério da Saúde paga em dia, porém o atraso ocorre no repasse da Secretaria de Estado da Saúde e do município.

– Nós sustentamos o SUS. Em uma consulta recebemos R$ 10 e temos que repassar R$ 30 para o médico. Cada R$ 100 que o hospital coloca, ele só recebe R$ 65 do SUS, como a tabela que está desde 1994 sem reajuste.

O hospital com o mesmo nome, mas do outro lado do Estado, em Jaraguá do Sul, também enfrenta dificuldades. O São José, do Norte de SC, atende cerca de 80% pelo SUS e é referência em alta complexidade nos atendimentos de oncologia, neurologia, ortopedia e transplante de fígado e rins. Hoje, a instituição tem R$ 13,4 milhões para receber. São recursos que deveriam vir do governo federal para custear os procedimentos chamados de extrateto, aqueles que passaram do que era previsto para a unidade. Diante dessa dívida, que se acumula desde 2015, o hospital precisou recorrer a empréstimos bancários para arcar com folha de pagamento, prestadores de serviço e fornecedores.

– Quando temos que tratar com o SUS, temos essas esferas [município, Estado e União] que ficam transferindo decisões, mas a porta aberta do hospital não pode parar. Se esse dinheiro estivesse no caixa da instituição, não precisaríamos ter ido buscar dinheiro no sistema bancário – diz o diretor do hospital, Maurício Souto-Maior.

Ajuda de empresários para garantir serviço

Uma das soluções encontradas em Jaraguá do Sul para ajudar na compra de equipamentos e na realização de obras no hospital de 82 anos vem dos empresários locais. Ao ser identificada uma necessidade, eles são acionados pelo Conselho Deliberativo, composto por integrantes voluntários.

Duas Rodas, Grupo Malwee, Marisol, Urbano e WEG são algumas das empresas que costumam doar. De 2004 até 2017, foram investidos R$ 82,2 milhões no hospital, sendo que R$ 33,9 milhões vieram das doações de empresários e R$ 25,3 milhões foram do governo estadual.

Para dar mais apoio a esses hospitais no Estado, em 2016 foi criado um Fundo de Apoio dos Hospitais Filantrópicos de SC. Com repasse de 0,17% da receita líquida disponível do tesouro do governo do Estado, os valores do fundo em 2017 foram de R$ 25,6 milhões e em 2018 a previsão é de R$ 27,7 milhões. Porém os recursos são destinados apenas para cirurgias eletivas e também são repassados ao Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon) e ao Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (Hemosc).

Colaboraram Cinthia Raasch, Guilherme Porcher e Lariane Cagnini.

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Instituição de Biguaçu comprova sistema mais eficiente de operação, sem atender emergências

Gicela Machado, 34 anos, teve de percorrer cerca de 100 quilômetros para realizar a cirurgia pela qual aguardou cinco anos. A repositora de supermercado veio de Anitápolis, fez exames e o procedimento no Hospital Regional Helmuth Nass, em Biguaçu. Ela aguardava na fila em um hospital em Florianópolis, mas com uma mudança no sistema conseguiu ser encaixada para fazer o procedimento ginecológico na cidade vizinha.

Desde a primeira consulta na unidade até a cirurgia foram dois meses de espera:

– Se não tivesse esse hospital não teria sido atendida, eu estaria na fila ainda. Eu achei que não ia conseguir a cirurgia até ser encaminhada para cá. Estou aliviada.

Aberto em 2015, o hospital atende mais de 12 especialidades, realiza cirurgias eletivas de baixa e média complexidade, consultas, procedimentos em ambulatório e exames. O local tem um modelo de atendimento chamado de “portas fechadas” e não presta serviços urgência e emergência.

– Aqui, tem um recurso fixo pactuado, é diferente de onde tem um valor somente de pagamento da produção SUS. A maioria dos filantrópicos tem porta aberta, recebe por produção, não é valor fixo. E geralmente a produção SUS fica muito aquém do valor que você gasta – afirma o diretor do hospital, Claudio Marmentini.

Nesse formato, os pacientes são encaminhados ao hospital, que atende 22 municípios, por outros serviços de saúde, como UPA e Samu. Inês Werlich, 50 anos, foi encaminhada do posto de saúde em Anitápolis para uma consulta com ginecologista na instituição em Biguaçu. Em menos de um mês, foi atendida por um especialista.

– Eu não tinha condições de pagar uma consulta particular e demora muito agendar pelo SUS. Mas aqui é muito bom, o atendimento foi muito rápido.

O Hospital Regional de Biguaçu recebe por mês R$ 1,24 milhão do Ministério da Saúde, via município. São realizadas cerca de 2,2 mil consultas e 250 cirurgias mensais, todas pelo SUS.

Como só realiza o que está pactuado, a instituição trabalha sem dívidas. Porém, ao contrário do que foi acordado inicialmente, a Secretaria de Estado da Saúde não faz repasses à unidade – o valor previsto seria na ordem de R$ 1,2 milhão.

Como o convênio nunca saiu do papel, praticamente metade dos 86 leitos de internação estão fechados. Mas isso deve ser solucionado em breve, acredita Marmentini. Há previsão de abrir uma maternidade de gestação de baixo risco para desafogar unidades da região, como o Regional de São José e a Carmela Dutra, em Florianópolis:

– Não tem como atender todas as especialidades, mas dá para vocacionar e ajudar na estrutura da região, porque que tem unidades sobrecarregadas.

Segundo a prefeitura de Biguaçu, a secretaria já sinalizou o repasse de R$ 500 mil mensais para abertura de 42 leitos para atendimento das gestantes.

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Sorteio de prêmios e ajuda na conta de luz paranão fechar as portas em unidade de Joinville

O Hospital Bethesda, em Joinville, também conseguiu alcançar o equilíbrio das contas, mas com muito esforço. A unidade, que atende 87% pelo SUS, acumulava dívidas até 2015, quando resolveu captar recursos por meio de sorteios de prêmios semanais e doações da população diretamente na conta de luz. Desde então, triplicou o número de atendimentos, que chegou a 180 mil no ano passado.

– Com a parceria, conseguimos equilíbrio, reformar o hospital. Isso quem ajuda é a comunidade, senão não teríamos condições de atender o que atendemos hoje – afirma o diretor da instituição, Hilário Dalmann.

O Bethesda ainda paga o empréstimo bancário feito na época em que trabalhava no vermelho. Se dependesse apenas do SUS, o déficit mensal seria de R$ 250 mil. Segundo Dalmann, o hospital é o que mais realiza cirurgias eletivas, sem caráter de urgência ou emergência, em Santa Catarina.

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Contrapontos

O que diz o Ministério da Saúde:
Esclarece, em nota, que não repassa recursos para nenhuma unidade hospitalar, incluindo os filantrópicos, mas sim aos respectivos fundos estaduais e municipais de saúde, responsáveis por fazer o gerenciamento e complemento da verba, com recursos próprios, e enviá-los às instituições públicas e contratualizadas com o SUS.

Afirma que a pasta realiza, periodicamente, adequações na tabela SUS, conforme prioridades estabelecidas e a partir de estudos técnicos. Só no ano passado, segundo o ministério, foram reajustados 79 procedimentos. Desde 2010, somam mais de mil.

Além disso, sustenta que a tabela SUS serve apenas como parâmetro, mas não como principal nem única forma para financiamento. Diz ainda que cada gestor local tem autonomia para implantar políticas e ações locais, assim como para habilitar, credenciar instituições e serviços pelo SUS com recursos e/ou iniciativas próprias.

O que diz a Secretaria de Estado da Saúde:
A pasta diz que os hospitais que fazem parte da chamada da rede complementar (exclui os estaduais, municipais e o Hospital Universitário da UFSC) respondem por 65,4% da produção hospitalar em SC. Reconhece a dívida, mas diz que é de R$ 33 milhões, e não de
R$ 70 milhões. Afirma ainda que está fazendo esforços para regularizar os repasses, conforma a nota a seguir:

“A Secretaria de Estado da Saúde identifica dívida de R$ 33 milhões com hospitais filantrópicos, envolvendo as áreas de cardiologia, oncologia, UTI e OPME (órteses e próteses). A secretaria informa que está se reestruturando e negociando inclusive com Ministério da Saúde para viabilizar repasse adicional para auxiliar no pagamento destas dívidas. Outra ação é uma sensibilização do Fórum Parlamentar Catarinense no sentido de viabilizar emendas que contribuam para solucionar a questão dos filantrópicos”.

O que são hospitais filantrópicos
São instituições privadas, sem fins lucrativos, mas contratadas para prestar serviço ao Sistema Único de Saúde (SUS). Via de regra, no mínimo 60% dos atendimentos do hospital devem ser feitos pelo SUS. Os recursos são repassados às unidades pelo Ministério da Saúde via Estado ou município. Também pode haver complementação de verbas por parte do poder público municipal e estadual. Em Santa Catarina, são unidades essenciais no atendimento à população, principalmente no interior.

http://dc.clicrbs.com.br/sc/estilo-de-vida/noticia/2018/05/hospitais-filantropicos-de-sc-sofrem-com-atraso-de-repasse-de-r-70-milhoes-do-estado-10327768.html#_=_

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