O que Brasil pode aprender com o Canadá na área da saúde?

Quando converso com as pessoas que encontro aqui no Brasil é bem comum eu ouvir: “Você é canadense? A vida deve ser muito melhor que aqui: vocês têm uma saúde excelente por lá!”.

Então decidi realmente entender isso. Será que o sistema de saúde canadense é melhor mesmo? E por quê? Nesse sentido, o Brasil tem algo a aprender com os canadenses e, quem sabe, vice-versa?

Ambos, Brasil e Canadá, têm um sistema de saúde universal, ou seja, o acesso é garantido por lei para todos os cidadãos. Mas observe os números: o Canadá tem expectativa da vida de seis anos a mais 84 anos contra 78 anos. Lá, a taxa de mortalidade infantil é cerca de três vezes menor -quatro para cada mil partos versus estratosféricos 14 para cada mil nascimentos no Brasil.

Vários outros índices canadenses têm, de fato, melhores resultados. Mas por que tanta diferença?

Há quem diga que o motivo é porque o Brasil, sendo um país tropical, tem doenças tropicais, mas a explicação é mais simples: o Canadá é mais rico.

O PIB per capita (indicação de quantos recursos existem para cada cidadão) é de R$ 132.000 por ano no país do hemisfério norte. Já no Brasil, é de apenas R$ 26.000 por ano -cinco vezes menor.

Mas não adianta ser só rico, precisa-se investir bem, e o Canadá investe muito mais em saúde, direcionando 11% do PIB à área. Já no Brasil, utiliza-se algo em torno de 8%. Aqui, portanto, são 35% a menos de recursos -simplesmente não se emprega dinheiro suficiente para se chegar ao nível de saúde que o Canadá tem.

Além disso, a população canadense é de apenas 35 milhões de pessoas. Já no Brasil, são 200 milhões -o país é considerado o maior do mundo com sistema de saúde 100% universal-, e o governo precisa garantir atendimento básico, de alta complexidade e remédios para todos os habitantes. Claramente, um desafio imenso que demanda altíssima eficiência em gestão.

Contudo, não é só isso. Também acredito em outros fatores, menos visíveis, para explicar tanta diferença nos números relacionados à saúde entre os dois países.

Um exemplo: o Brasil tem um sistema de saúde suplementar (via planos de saúde) que atende 25% da população. Já no Canadá, a saúde privada não é permitida a existir da mesma forma -são autorizados planos de saúde para apenas alguns procedimentos eletivos, odontológicos e medicamentos caros.

Agora, imagine se no Brasil as classes sociais mais altas precisassem usar as mesmas clínicas e hospitais que as mais baixas. Será que o sistema de saúde público melhoraria?

Mais um ponto: o Canadá tem uma cultura muito mais saudável. Eles consomem muito menos fast foods e refrigerantes e valorizam comida fresca e atividades físicas. Há também bastante espaço público, como parques e calçadas bem cuidadas. Os canadenses também são menos estressados.

No Brasil, a maioria da população mora em cidades, mas sem acesso democrático a espaços públicos para fazer esportes e atividades físicas. Não é uma surpresa saber que o país está sofrendo com a obesidade e as doenças causadas por ela, como diabetes e cardiovasculares.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), o Brasil ocupa a 125ª posição no ranking mundial que avalia sistemas de saúde. Descobri que Canada é o número 30! Nem está no top 10. Realmente, fiquei chocado porque sempre pensei que ele era um dos melhores. Mas na verdade não é.

No Canadá, você precisa ver um médico? Agende com uma semana de antecedência. Um dermatologista? Um mês. Precisa fazer uma ressonância ou tomografia? Fila de espera de dois meses. Transplante? Podem ser anos. Por lá, alguns remédios simplesmente não existem -é necessário pagar por eles sozinho (não é como no Brasil que o governo, muitas vezes, subsidia).

De certa forma, o Canadá oferece uma cobertura básica muito boa, mas algumas pessoas acabam “escapando entre os dedos”. E se o Canadá é o número 30, quem ocupa primeiro lugar? A França.

E o que ela faz para estar no topo do ranking mundial? Primeiramente, investe e muito. Mais de 20% dos salários dos franceses vão para a saúde. Há um sistema privado e público, mas o governo se envolve bastante como regulador, por exemplo, controlando gastos hospitalares.

A França também foca bastante as doenças mais caras -diabetes, saúde mental e câncer- e paga 100% dos custos com remédios, cirurgias e outras terapias. Por isso, os franceses estão muito satisfeitos e seguros em termos de sua saúde.

Outro diferencial interessante é o quanto eles priorizam a primeira infância (de zero a três anos). O governo reconhece a importância desse período da vida para a saúde em longo prazo. Por isso, novas mães na França têm condições luxuosas: após o parto, por exemplo, por lei podem ficar meses afastadas, recebendo uma bolsa financeira generosa para cuidar do bebê.

Além disso, enfermeiras são designadas para visitas frequentes à casa delas, e as creches são subsidiadas e de altíssima qualidade.

Há alguns fatores fundamentais que dificultam melhorias rápidas em saúde. De outro lado, há muito que pode ser feito sem ter tantos recursos financeiros: coisas como melhorias em gestão, uso de tecnologia, investimento em primeira infância, e mudanças na cultura.

Sem esses tipos de ações, o Brasil não apenas arrisca não melhorar a saúde, mas também compromete todo o progresso conquistado nas últimas décadas.

MICHAEL KAPPS, economista russo-canadense formado na Universidade Harvard (EUA), é cofundador da Tá.Na.Hora Saúde Digital e finalista Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2016

FOLHA DE SÃO PAULO

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