Após não cumprir o percentual obrigatório de repasses para a saúde em 2017, o governo do Estado cogita ajuizar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a emenda que aumenta progressivamente a aplicação de recursos na área. Apesar de especialistas defenderem que a matéria pode ser questionada, é unanimidade entre eles que o governo deveria ter cumprido o que está estabelecido na Constituição estadual e repassado 13% do que foi arrecadado para a saúde – com os 12,6%, o Executivo deixou de aplicar R$ 60,2 milhões em hospitais, medicamentos e serviços de saúde.
Em nota, a Procuradoria Geral do Estado diz que está analisando a emenda constitucional estadual e que os primeiros estudos apontam para a inconstitucionalidade. O argumento é que a Constituição Federal “diz que o aumento no repasse para a saúde só poderá ser estabelecido por lei complementar federal”. Segundo a assessoria, a análise teria iniciado no ano passado, mas sem explicar em qual mês, porém acrescenta que o governo ainda decidirá se irá ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF e que não há prazo definido para isso.
Na outra ponta, o autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e na época presidente da Alesc, deputado estadual Gelson Merisio (PSD), defende que a emenda é “absolutamento constitucional”. O parlamentar diz que a lei federal estabelece o piso de aplicação para saúde, que é de 12%, e a partir disso é orçamento, que seria prerrogativa da Assembleia. Ele explica que a crise econômica fez o percentual investido em Saúde em SC cair de 12,9%, em 2016, para 12,6% em 2017, mas que não é justificativa para suspensão da emenda:
-Não se pode confundir uma dificuldade momentânea com uma regra que tem que ser de longo prazo para o Estado. Se não conseguiu no primeiro ano, você justifica e se acerta no segundo.
A PEC foi aprovada por unanimidade em outubro de 2016 na Alesc e por ser uma emenda à constituição não passa pela sanção do governador. Na época da votação da proposta dessa emenda, o Secretário de Estado da Casa Civil, Nelson Serpa, disse que nem sempre a vinculação dos recursos é a melhor solução, mas que a tramitação do processo era de inteira responsabilidade do Legislativo e era preciso respeitar a autonomia dos deputados. O atual presidente da Alesc, Silvio Dreveck (PP), diz que a Assembleia aprovou na confiança de que o Estado iria, a cada ano, aumentar 1% do repasse.
– Agora, se o Estado se achou no direito de contestar na Justiça, a Assembleia obrigatoriamente tem de aguardar até o final, que é a (decisão da) Justiça. Mas a Assembleia não aprovaria se não tivesse o desejo de que o Estado ampliasse esse percentual. Vamos torcer para que o Supremo reconheça como legal, como constitucional – diz Dreveck.
Para o advogado e professor da Univali Alexandre dos Santos Priess, os Estados têm autonomia para aumentar os repasses à saúde, já que a Constituição Federal estabelece os percentuais mínimos. Porém essa emenda apresenta um vício de iniciativa:
– Por se tratar de matéria orçamentária, quem deveria ter começado o processo legislativo para alterar a Constituição do Estado seria o governador.
O advogado e mestre em Direito Constitucional Marcelo Peregrino Ferreira também tem esse entendimento. Ele acrescenta que o Supremo Tribunal Federal tem várias decisões afirmando que o aumento do percentual ofende a iniciativa do Executivo, mesmo sendo realizado por emenda constitucional. Além disso, há ainda a questão da vinculação de receita à despesa, o que é proibido pela Constituição.
Mas como ainda não foi ajuizada a ação e tampouco houve a decisão do STF, o governo de SC deveria ter cumprido o que diz a Constituição estadual, alertam os especialistas.
– A obrigatoriedade constitucional estadual existe e seu descumprimento pode levar à rejeição de contas e, por conseguinte, à inelegibilidade do Chefe do Executivo – diz Ferreira.
O advogado e residente da Comissão de Saúde da OAB/SC, Maurício Batalha Machado, diz que por mais que a emenda não “se amolde às formalidades exigidas pelo controle de constitucionalidade”, seja por afronta às disposições da Constituição Federal ou mesmo por vício de iniciativa, deve ser mantida e respeitada:
– Não só por questão legal, mas por princípio moral relacionado ao direito fundamental de saúde do cidadão, o qual deve se sobrepor a qualquer conveniência administrativa do Estado, tal como deve ocorrer com a segurança pública e a educação.
O que diz a Emenda Constitucional 72/16
Segundo a redação da emenda, deveria ser aplicado 13% da arrecadação do estado na saúde a partir de 1º de janeiro de 2017. A partir de 1º de janeiro de 2018, o percentual mínimo será de 14%. Por fim, será de 15% a partir de 1º de janeiro de 2019. Antes, o percentual mínimo era de 12%.
A medida surgiu da mobilização das câmaras municipais, das entidades hospitalares e da Assembleia Legislativa e resultou na apresentação de duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que foram condensadas e transformadas na PEC 1/2016, conhecida como PEC da Saúde, aprovada por unanimidade pelos deputados em outubro de 2016.
O que diz a lei federal
A Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de 2012, diz que os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos. Já os Municípios aplicarão anualmente em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos.
Fonte: DIÁRIO CATARINENSE